sexta-feira, 16 de julho de 2010

O emprego

   Um rosto enfurecido. A raiva cortava-lhe o soluço naquele final de tarde a caminho para casa. Um dia de cão. Que dia!
   A tristeza se apresentava naquele rosto corado. Uma palidez surgia num desespero de um pai de família após sofrer preconceito.
   De origem negra, seus avós eram escravos libertos graças à Princesa Isabel. Gostava de leitura e fazer cursos para maior conhecimento. Nunca ficava para trás em cruzadinhas. Tudo de estranho era procurado no dicionário. Os vizinhos comentavam:
   - Ele é inteligentíssimo.
   Com humildade retrucava:
   - Sou normal e igual a todos.
   Durante anos se dedicou ao comércio. Tinha uma loja de ferramentas. Com o aumento de impostos e descontrole de funcionários com os ganhos, faliu. Agora era hora de procurar um emprego e começar tudo de novo para sustentar quatro crianças.
   A vida não é muito fácil para quem é de cor. O preconceito surge por todos os lados. Suas filhas mais novas choravam por ter o cabelo `` engrinhado ´´( era o que ouviam das colegas do colégio ). Reclamavam:
   - Por que não tenho um cabelo liso e loiro? Não gosto de ser assim.
   O pai todos os dias dava uma lição de vida:
   - Temos que ter orgulho do que somos e não querer ser igual aos outros. O que vale não é o que está por fora e sim o que somos. O importante no ser humano é o caráter.
   Acordou cedo. Separou àquela roupa engomadinha, tomou um baita banho, penteou os cabelos, se arrumou. Estava como um gerente de loja. Tomou café com a família. O choro da filha não tirou o seu bom humor naquela manhã. O voto de esperança estava estampado na sua face. Por uns instantes lembrou dos passeios e as brincadeiras com a família. Um belo sorriso saiu. Deu um beijo na esposa e seguiu em direção ao seu propósito.
   Na recepção, pontual como se fazia sua personalidade apresentou-se para a moça. Houve um pedido de espera.
   - É verdade. Seu nome consta na lista? Mas como?
   Sem entender, sentou e esperou. Uma hora. Duas horas. O relógio continuava a girar pendurado naquela parede branca. O vazio continuava. A moça tremia. Não agüentou e foi questionar:
   - Por que a demora? Os outros candidatos parecem que já foram atendidos. Pelo visto não tinham um bom currículo. Vejo que foram todos embora. E eu estou aqui, esperando e sem uma resposta. O que tem a me dizer?
   - Não temos mais vagas. A vaga já foi preenchida.
   - Não é verdade! Não me querem porque sou negro!
   - Nããão!!! Não se preocupe senhor, não é isso.
   Inconformado sentou e esperou. A moça entrou no escritório e após uma longa conversa com seu chefe retornou.
   - O senhor pode entrar.
   A esperança não saiu de sua face. Ao entrar naquela sala cheia de fotos da família branca daquele homem loiro, percebeu um desprezo daquela figura humana. Logo, recebeu a notícia que não podia ter o emprego. O homem negro expôs sua condição social e a necessidade daquele trabalho para sustento familiar. A lágrima rolou em seu rosto corado. O desprezo era visível. Houve uma tentativa de se desculpar:
   -Você tem um ótimo currículo. Mas infelizmente não posso te contratar. Ninguém iria querer comprar na minha loja. Os clientes iam ter medo. Eu não ia ter lucros. Desculpe.
   -Emprego não é fácil para quem é negro. Sou gente como todos. As pessoas têm que aprender a valorizar o outro. Cada um tem um potencial. A casca, que é a pele, só tem a função de proteger os órgãos do corpo não de classificar a pessoa na sociedade.
   Com um rosto banhado de fúria, desejou um bom dia educadamente e foi direto à delegacia registrar queixa pelo preconceito. Depois daquela dia, seguiu seu caminho à procura de um emprego com pessoas mais humanas.