sexta-feira, 18 de junho de 2010

Mania feia

      Mania esquisita. Todos os dias, Laura roia as unhas. Começava pelo dedão. Aonde estivesse, a cena era a mesma. A boca com seus dentes nada brancos, ia direto àquelas unhas encardidas.
     Laura era uma adolescente. Diferente das outras colegas da sua idade, não se importava com detalhes, nem roupas, calçados, bolsas, figurinhas e ídolos. Nada interessava. As unhas lhe agradavam.
     Não tinha hora nem lugar. Bastava olhar para as unhas e a vontade começava. Roia daqui, dali, pelo canto, à direita, à esquerda. Puxa! Quem olhava ficava perdido.
     Uma vez, roeu todas as unhas que não teve como escapar do médico. Sua mãe cansou de ver aquele hábito. Levou a um especialista. Quando chegou lá, foi uma tragédia. O médico passou pimenta nas unhas da menina e deixou-a esperando em uma sala durante cinco horas. A coitada não aguentou e acabou roendo as unhas. Que desespero! A sua boca ardeu tanto que foi cada grito. O pessoal do consultório se desesperou com a cena.
     Laura arrebentou as portas e saiu gritando pelas ruas. A mãe não sabia onde esconder tanta vergonha.
     Chegando em casa, a mãe de Laura disse:
     _ Se você quiser roer as unhas, que roa. Não vou mais me preocupar.
     A menina não se importou com as críticas que a família começou a fazer e a melhor coisa que tinha a fazer era roer as unhas.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O massacre


      Campeonato brasileiro. O estádio lotado. Gritos e gritos acabam com o silêncio. Vendedores de bebidas e comidas passam pela arquibancada. Bonés, camisas, faixas, fumaças coloridas e hinos evidenciam a torcida organizada. No campo os jogadores dão início ao jogo após o apito do juiz. A bola rola no campo.


      Jornalistas e repórteres tentam pegar todos os lances. Tudo é registrado. Na troca de um jogador há uma entrevista. O jogo chega ao fim. Há um empate. O desempate fica nos pênaltis. Um time ganha.


     Na arquibancada a luta começa. Socos, chutes, pauladas e uma quebradeira sem fim. Crianças se machucam. O povo é massacrado por tanta violência. A vida humana perde o valor.


     No chão caiu um pai de família. Seu último suspiro é dado. Os outros nem se tocam pelo acontecimento. Continua o massacre. A polícia vem e intervém. No final, vários são presos e muitos ficam feridos. Em casa, o choro da mulher daquele homem morto atordoa a vizinhança. Muitos são filmados. O jornal local transmite a imagem ao vivo.


     No outro dia a ressaca. O susto passa, mas ficam muitos feridos. Na capa do jornal a manchete: `` O massacre ´´. A notícia deixa muitos revoltados.

No silêncio do parque

       Em um parque de diversões, várias crianças brincam. Elas pulam, dão gargalhas, balançam, jogam areia nos colegas, estragam brinquedos, dão birras e ataques histéricos. Uma criança permanece ali sentada.
      Olha tudo em sua volta permanecendo no mesmo lugar. Os olhos negros, sem brilho e quase bloqueados pelo orgulho de não querer chorar. Várias vezes a mão é passada pelos seus cabelos negros e lisos, sujos de suor e poeira. As unhas não cortadas escondiam a sujeira das brincadeiras passadas. As roupas velhas mostram o descaso de governantes com a classe social baixa. Podia perceber em uma das mãos um brinquedo velho.
     Várias vezes o menino olha aquelas crianças. O abraço da mãe com o filho, as brincadeiras dos familiares e o aconchego materno. Percebe-se uma angústia no olhar daquele pobre menino.
    Permanece ali horas e horas. Umas crianças vão embora de mãos dadas com os pais, outras chegam e o ciclo continua.
     O sol vai embora. A noite chega. O frio chega de mansinho. Um arrepio. A lágrima termina de descer pelo seu rosto sujo e corado pelo sol. Esquecido no tempo, o garoto dorme naquele duro cimento do parque. Uma mão toca-lhe vagarosamente. Um beijo é estalado em seu rosto. O menino acorda. A felicidade deixa um brilho no olhar do menino. Uma voz surge naquela boca quase emudecida pelo frio e o silêncio:
     _ Mamãe!

Retalhos da vida


      Lembro-me da minha infância. Horas eram passadas em frente àquela televisão. Era uma televisão de madeira, daqueles modelos bem antigos. Era o que minha família tinha condições de comprar. Ela ficava sempre lá naquele cantinho, em cima de um caixote de madeira. Tudo era organizado. No canto, um lindo tapete de retalhos.


      Eu ficava em frente aquele caixote enquanto mamãe costurava. Ela juntava cada pedacinho de retalho, de diferentes cores e estampas fazendo uma sincronia. Não entendia como fazia. No final tudo ficava lindo.


      Eu sempre estava do lado dela observando. A imagem da televisão era alternada. A novela começava e mamãe vinha louca para assisti-la. Seus olhos brilhavam ao ver um casal em um beijo apaixonado. Quando ocorriam brigas, o nervosismo era presente. Papai não falava nada. Chegava em casa  cansado do trabalho.   Logo ia jantar. Primeiro perguntava a mamãe como foi seu dia e ela sempre falava que foi bom, mas sempre colocava os assuntos daquela novela, o mocinho, a vilã, entre outros. Ele fingia acreditar e ia encher a barriga com aquele delicioso jantar que minha mãe fazia. No outro dia a história se repetia.


     Eu sempre ficava a observar a novela, mamãe, e a colcha de retalhos. O engraçado é que cada retalho era um pedaço de uma roupa nossa. Tinha pedaço da roupa da tia, do tio, do avô, da vovó, do vizinho e até da minha professora.


      A novela terminava. Mamãe chorava. Já anunciava a outra novela. Com um vilão mais robusto e cara de mau. Ela ficava ansiosa para o inicio da próxima novela. A colcha de retalhos chegava ao fim. A vida na roça não tinha muitos atrativos. Mamãe decidiu me levar à cidade.


      Lembro como se fosse hoje. Muitas casas e muita gente. Fomos a uma feira. Tinha roupas, sapatos, comidas com um preço mais acessível. Visitamos lojas, mas os vendedores não deixavam a gente entrar. Observei vários casais, famílias e lembrei da colcha de retalhos. Comparei cada pedacinho com uma casinha daquela. Cada cor representava a harmonia. A estampa representava a quantidade de pessoas numa família. A junção dos pedaços representava a comunidade. E assim concluí que temos opiniões, gostos e vida social diferente. Mas ninguém vive sem o outro. Se arrancarmos um pedacinho da colcha de retalhos, fica um buraco. Todos nós temos o nosso valor para formar a comunidade.

      Chegando em casa, mamãe me cobriu com a colcha. Os pedacinhos unidos serviram para me cobrir do frio. Dormi tranquilo e bem quentinho a noite toda.