quinta-feira, 17 de junho de 2010

Retalhos da vida


      Lembro-me da minha infância. Horas eram passadas em frente àquela televisão. Era uma televisão de madeira, daqueles modelos bem antigos. Era o que minha família tinha condições de comprar. Ela ficava sempre lá naquele cantinho, em cima de um caixote de madeira. Tudo era organizado. No canto, um lindo tapete de retalhos.


      Eu ficava em frente aquele caixote enquanto mamãe costurava. Ela juntava cada pedacinho de retalho, de diferentes cores e estampas fazendo uma sincronia. Não entendia como fazia. No final tudo ficava lindo.


      Eu sempre estava do lado dela observando. A imagem da televisão era alternada. A novela começava e mamãe vinha louca para assisti-la. Seus olhos brilhavam ao ver um casal em um beijo apaixonado. Quando ocorriam brigas, o nervosismo era presente. Papai não falava nada. Chegava em casa  cansado do trabalho.   Logo ia jantar. Primeiro perguntava a mamãe como foi seu dia e ela sempre falava que foi bom, mas sempre colocava os assuntos daquela novela, o mocinho, a vilã, entre outros. Ele fingia acreditar e ia encher a barriga com aquele delicioso jantar que minha mãe fazia. No outro dia a história se repetia.


     Eu sempre ficava a observar a novela, mamãe, e a colcha de retalhos. O engraçado é que cada retalho era um pedaço de uma roupa nossa. Tinha pedaço da roupa da tia, do tio, do avô, da vovó, do vizinho e até da minha professora.


      A novela terminava. Mamãe chorava. Já anunciava a outra novela. Com um vilão mais robusto e cara de mau. Ela ficava ansiosa para o inicio da próxima novela. A colcha de retalhos chegava ao fim. A vida na roça não tinha muitos atrativos. Mamãe decidiu me levar à cidade.


      Lembro como se fosse hoje. Muitas casas e muita gente. Fomos a uma feira. Tinha roupas, sapatos, comidas com um preço mais acessível. Visitamos lojas, mas os vendedores não deixavam a gente entrar. Observei vários casais, famílias e lembrei da colcha de retalhos. Comparei cada pedacinho com uma casinha daquela. Cada cor representava a harmonia. A estampa representava a quantidade de pessoas numa família. A junção dos pedaços representava a comunidade. E assim concluí que temos opiniões, gostos e vida social diferente. Mas ninguém vive sem o outro. Se arrancarmos um pedacinho da colcha de retalhos, fica um buraco. Todos nós temos o nosso valor para formar a comunidade.

      Chegando em casa, mamãe me cobriu com a colcha. Os pedacinhos unidos serviram para me cobrir do frio. Dormi tranquilo e bem quentinho a noite toda.

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